Voyager: A Tecnologia Atual Faria Diferença?

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Voyager: A Tecnologia Atual Faria Diferença?

No longínquo ano de 1977 foram lançadas as espaçonaves Voyager 1 e Voyager 2 com o objetivo de explorar Júpiter e Saturno, na época, a NASA queria aproveitar um alinhamento destes planetas mais externos que só acontece a cada 175 anos. Com isso estes planetas estariam perfeitamente posicionados, permitindo aos cientistas planejarem uma rota que enviariam as naves para cada um destes planetas, isso também significaria que após a missão as espaçonaves iriam continuar viajando através do espaço interestelar.

As naves foram projetadas para durarem até 5 anos, que seria o tem necessário para estudarem Júpiter e Saturno, além de algumas de suas luas. Conforme a missão prosseguia, os cientistas e engenheiros perceberem que era possível estender a missão até Urano e Netuno, o que de fato foi feito.

A Voyager 1 é atualmente a sonda mais distante da Terra, cerca de 24 bilhões de quilômetros de distância, enquanto a Voyager 2 viajou cerca de 21 bilhões de quilômetros do nosso planeta. Ambas estão no espaço interestelar e são as únicas espaçonaves a operar além da heliosfera, a bolha de campos magnéticos e partículas do sol que se estende bem além da órbita de Plutão. Apesar da distância e do tempo, elas continuam enviando insights sobre o universo, agora fora do nosso sistema solar.

É assim que tem sido para as icônicas naves espaciais Voyager 1 e 2, avançando dia após dia durante mais 40 anos, o mais longo de qualquer missão espacial. A Voyager 1 já esteve no espaço interestelar nos últimos 10 anos, avançando a 62.140 km/h, estudando, entre outras coisas, como o campo magnético do nosso sol interage com o campo magnético no espaço interestelar. A sua nave irmã está mesmo no limite do espaço interestelar.

Surpreendentemente, a tecnologia retrô ainda está funcionando e a nave não colidiu com nenhum asteroide ao longo do caminho. Segundo a engenheira da NASA Suzanne Dodd que é gerente do projeto Voyager no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), “A Voyager duraria muito mais tempo do que qualquer espaçonave construída hoje, provavelmente”.

Mas se construíssemos hoje, em que medida a tecnologia seria diferente?

“A nave em si provavelmente não mudaria muito”, diz Dodd. “A manta térmica, por exemplo, que protege todos os componentes eletrônicos sensíveis da radiação, seria muito semelhante, apenas mais leve, talvez. Continuaria a existir a mesma fonte de energia nuclear, porque a energia solar não é uma opção, as naves estão muito longe do Sol. De muitas maneiras, a Voyager durou 40 anos, em parte devido à sua simplicidade e a robustez do design”, diz Dodd.

Suzanne Dodd, juntamente com o cientista-chefe e porta-voz da Voyager desde 1972, o professor da CalTech Ed Stone

Marco Scharringhausen, engenheiro do Centro Aeroespacial Alemão (DLR), concorda. Não tenho certeza se algo seria feito de forma fundamentalmente diferente se construíssemos naves espaciais como as Voyager 1 e 2 hoje”, diz ele. “Um dos fundamentos da engenharia espacial é o conservadorismo.”

“Isto pode ser verdade, mas o próprio programa Voyager foi um grande salto na engenharia e design de naves espaciais, pelo menos quando comparado com a tecnologia Apollo de alguns anos antes”, acrescenta Scharringhausen. “O computador e a memória da Voyager são baseados em semicondutores, enquanto a Apollo e as primeiras sondas espaciais da NASA Mars dependiam de uma memória de “corda central”, uma forma de memória somente leitura para computadores usados ​​na década de 1960. Fios de cobre passavam por ou ao redor de pequenos núcleos magnéticos e produziam uns e zeros do código binário”.

Dodd conhece a Voyager como se fosse seu bebê, só que agora já crescido. Ela começou a trabalhar no projeto quando deixou a universidade em 1984, e esteve envolvida com os sobrevoos de Urano e Netuno no final dos anos 1980. Depois ela saiu e trabalhou em outras missões, incluindo a Cassini, mas voltou para a Voyager em 2010 para ser gerente do projeto. Hoje, ela é responsável por supervisionar as operações, reportar à NASA o andamento da missão e acompanhar o orçamento e o cronograma.

“É muito legal começar sua carreira em um projeto e depois poder voltar a ele e potencialmente encerrar sua carreira no mesmo projeto”, diz ela. “Poucas pessoas têm a oportunidade de fazer isso, especialmente no negócio espacial.”

Poucas pessoas conseguem se comunicar com alguém, ou com alguma coisa do espaço interestelar. Dodd faz isso toda semana. “Chego na segunda-feira de manhã e envio um comando, dizendo: ‘Olá, Voyager, como vai você?’”, diz ela. Então ela espera uma resposta. Não é instantâneo, ambas as naves Voyager estão muito, muito longe de nós. Leva 19 horas para que um sinal da Terra chegue até ela, a uma taxa muito baixa de 160 bits/s.

Quando o sinal volta, na tarde de terça-feira, geralmente diz: “Olá JPL, estou bem”. É uma troca de mensagens muito mais lenta do que, digamos, enviar um comando para a lua, que leva de 2 a 3 segundos, ou para Marte, que leva de 10 a 20 minutos de ida e volta. Além do check-in semanal de rotina, uma vez a cada três meses Dodd envia à Voyager um chamado carregamento de sequência, onde o código é armazenado a bordo da espaçonave, que é então executado durante os próximos três meses.

Menor e mais leve

A memória interna para armazenar informações de sequência é muito limitada pois existem apenas cerca de 1.500 palavras de 18 bits disponíveis entre as duas memórias do Subsistema de Comando do Computador para armazenar instruções de sequência. No total, a Voyager precisa se contentar com apenas 64kb de memória, mas em um pacote que é aproximadamente do tamanho de um pão. Hoje em dia, um smartphone tem 200.000 vezes mais memória, diz Dodd, “e o chip onde está armazenado tem aproximadamente o tamanho da sua unha mindinha.”

A Voyager 1 capturou esta foto da Grande Mancha Vermelha quando passou 
por Júpiter em 1979  (Crédito: NASA)

Graças a isso, a espaçonave, se construída hoje, provavelmente seria menor e mais leve, porque diminuindo os chips de memória diminuiria a instrumentação. “Menor é melhor no sentido de que é mais leve, então permite que você vá mais rápido se estiver usando o mesmo tamanho de foguete”, diz Dodd. “Ou você poderia usar um foguete menor que custaria menos dinheiro e viajaria na mesma velocidade. O peso é sempre importante para uma missão porque quanto mais leve a espaçonave, mais rápido você pode ir. Principalmente se você estiver tentando chegar ao espaço interestelar.

Construir uma nova Voyager mais de 40 anos depois traria uma memória de computador e um poder de processamento dramaticamente melhorados para os instrumentos e sensores. O tipo de instrumentos provavelmente seria o mesmo, explica Dodd, como um espectrômetro e um magnetômetro, entre outros, “mas a tecnologia para esses instrumentos é agora 40 anos melhor”. Existem quatro instrumentos atualmente funcionando na Voyager 1 e cinco na Voyager 2”.

O meio pelo qual a nave viaja possui partículas carregadas de diferentes níveis de energia e espessura, e um campo magnético. Os instrumentos medem todos estes diferentes parâmetros, em outras palavras, medem o clima espacial. “E o clima muda drasticamente à medida que nos afastamos do sol”, diz Dodd. “No espaço interestelar, a Voyager 1 move-se através da poeira estelar que são estrelas explodidas, o meio que se encontra entre as estrelas e os sistemas planetários.”

A resolução das câmeras também seria muito melhor agora, diz Scharringhausen, e haveria computadores de bordo mais potentes, embora os das espaçonaves modernas ainda sejam “muito ‘mais fracos’ do que os desktops ou celulares comuns”, acrescenta. Isso porque os computadores de bordo simplesmente não precisam ser tão poderosos quando se trata de números pois eles foram projetados para um propósito muito específico, para operar uma nave e seus instrumentos científicos. Nossos computadores comuns, acrescenta ele, são “muito mais propensos a travar”. O que permaneceria o mesmo, porém, é o tamanho da antena, diz Dodd. Ela mede 3m de diâmetro e precisaria permanecer semelhante a isso para ser grande o suficiente para escalar, dada a distância da Voyager ao planeta Terra.

Então, qual é a chave para o sucesso da Voyager? Dodd é claro: “Boa engenharia, e tivemos sorte.” Não é tanta sorte em termos de não bater em nada, explica ela, mas no sentido de que a nave espacial foi robusta o suficiente e nada está quebrado. Um dos motivos é que tudo a bordo tem backup”. “Para manter o preço baixo, eles nem sempre os constroem dessa forma agora, não com tanta redundância como a Voyager tinha”, diz Dodd. “Essa é a principal razão pela qual durou tanto tempo, e sempre tivemos a sorte de poder contar com a equipe reserva, onde tivemos falhas, e ainda não tivemos nenhuma falha dupla.”

Também é preciso observar onde ocorre a maioria das falhas, diz Chris Welch, engenheiro espacial da Universidade Espacial Internacional. Em termos de eletrônica, a espaçonave Voyager possui, pelos padrões modernos, “microcomputadores extremamente básicos, um transmissor e um receptor para comunicações com a Terra”, diz ele.

Mas em geral, os mecanismos são mais difíceis de tornar fiáveis ​​do que a eletrônica pois mais peças móveis significam mais problemas possíveis, acrescenta Welch. “Naves espaciais como a Voyager têm relativamente poucas peças móveis além de um giroscópio de controle de atitude e uma plataforma de câmera móvel.” E é exatamente a plataforma da câmera que uma vez travou, na Voyager 2, logo após sua passagem por Saturno.

“Esta é uma falha potencialmente fatal, uma vez que a câmara não seria capaz de apontar adequadamente para os alvos mais tarde”, diz Scharringhausen. “A falha poderia ser resolvida, porém, acionando muito lentamente o mecanismo para superar a resistência de algum objeto macio que ficou preso nas engrenagens, provavelmente um minúsculo pedaço de fita adesiva. Falhas nem sempre são o fim de uma missão.”

Ambas as naves também viajaram com sucesso através do cinturão de asteroides entre as órbitas de Marte e Júpiter, se você acredita em Star Wars, deve ser uma jornada bastante acidentada. Nada disso, ri Dodd. “As chances de ser atingido por um asteroide são muito remotas. O espaço é muito grande e muito vazio”, diz ela.

Em 24 de janeiro de 1986, a Voyager 2 nos deu o primeiro vislumbre de Urano, aqui visível apenas como um crescente à medida que se afastava da nave (Crédito: NASA)

Ela espera que ambas as Voyager continuem a enfrentar o vazio do espaço durante pelo menos mais uma década. A sua fonte de energia, um gerador térmico de radioisótopos, pode durar por mais 8 a 10 anos, diz Welch, antes da produção cair devido ao decaimento do plutônio. Cada Voyager consome menos de 400W do gerador, muito menos do que uma casa e a potência disponível está diminuindo a uma taxa de 4W por ano devido à decadência. Portanto, para manter a nave funcionando, nos próximos um ou dois anos a NASA começará a desligar os instrumentos científicos, um de cada vez, para garantir que haja energia suficiente para operar o transmissor.

Primeiro, os aquecedores serão desligados, todos os instrumentos serão aquecidos, pois o espaço é um local bastante frio, diz Dodd: “Veremos então se esse instrumento ainda funciona mesmo estando frio. Se continuar, obteremos mais um ano de dados e, caso contrário, desligaremos o instrumento também. Teremos que desligar um instrumento uma vez por ano durante cerca de cinco anos”, acrescenta ela.

Um dia, porém, a Voyager poderá não responder à saudação semanal de Dodd. “A nível pessoal, ficaria muito preocupada e com muito medo de termos perdido a nave espacial. A nível técnico, tentaríamos descobrir por que não estávamos recebendo notícias dela, enviaríamos alguns comandos para tentar recuperá-la.

“Se fizéssemos isso durante algumas semanas e ainda não obtivéssemos resposta, acho que precisaríamos declarar que a missão terminou. E esse seria um dia extremamente triste. É como perceber que seu pai idoso faleceu.”

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